Licenciar sem critério é retrocesso
- Talita Martins Oliveira
- 31 de jul.
- 3 min de leitura
A recente aprovação do PL 2.159/2021 pela Câmara dos Deputados inaugura uma nova fase no debate sobre o licenciamento ambiental no Brasil. A proposta, que segue para sanção presidencial, nasce da tentativa legítima de modernizar um processo historicamente marcado por burocracias, sobreposição de competências e insegurança jurídica.
O diagnóstico é correto: o país precisa, sim, de regras mais eficientes, padronizadas e coerentes com os desafios do século XXI. O problema está no remédio e, principalmente, na forma como ele foi formulado.
O texto aprovado apresenta fragilidades importantes. Conceitos vagos, ausência de critérios objetivos e pouca escuta qualificada de quem atua na ponta do processo: técnicos que avaliam impactos, analisam licenças e convivem com os conflitos sociais nos territórios. Na tentativa de destravar, corre-se o risco de abrir mão das garantias que protegem a integridade socioambiental.
Na Equos Consultoria ESG, acompanhamos diariamente a realidade de empresas, comunidades e órgãos reguladores. E posso afirmar com tranquilidade: o entrave do licenciamento não está apenas na burocracia. Está, sobretudo, na ausência de critérios técnicos claros e padronizados, capazes de oferecer agilidade sem perder o rigor.
É possível licenciar melhor. Mas para isso, precisamos enfrentar os pontos sensíveis que o texto atual deixa em aberto.
Um dos principais problemas está nos conceitos genéricos. Termos como “baixo impacto” ou “obra emergencial” precisam de definição técnica. Sem isso, abrem espaço para interpretações frágeis e desiguais, enfraquecendo o próprio sistema que se pretende modernizar.
As isenções de licenciamento também exigem atenção. É necessário estabelecer com clareza quais atividades podem ser dispensadas. Outro ponto crítico é a ausência de parâmetros técnicos mínimos nacionais. Delegar a estados e municípios a definição de critérios sem uma base comum pode aprofundar desigualdades regionais, gerar insegurança jurídica e comprometer a sustentabilidade.
A aplicação das novas modalidades de licenciamento como a Licença por Adesão e Compromisso (LAC) e a Licença Ambiental Especial (LAE) precisa estar amparada por regras bem definidas. Quem pode utilizar? Com que tipo de controle? Quais os limites para autodeclaração?
A proposta também prevê que o silêncio dos órgãos consultados possa ser interpretado como anuência automática. Isso enfraquece o processo técnico e transforma um mecanismo de agilidade em risco estrutural, sobretudo em temas sensíveis como terras indígenas, áreas protegidas e recursos hídricos.
Outro ponto que merece correção é a delegação de competência para municípios sem exigir estrutura técnica mínima. A descentralização só é eficaz se for acompanhada de capacitação e responsabilidade.
No setor elétrico, por exemplo, o texto não estabelece qualquer referência a faixas de potência para diferenciar projetos de geração distribuída de grandes empreendimentos estruturantes. Isso gera insegurança para quem opera com energia renovável e dificulta a aplicação de critérios proporcionais.
Flexibilizar sem critérios é, na prática, liberar sem controle. O Brasil não precisa escolher entre licenciar rápido e proteger o meio ambiente, mas precisa amadurecer sua capacidade de fazer ambos ao mesmo tempo.
O que está em jogo não é apenas um texto legal. É a credibilidade das decisões nos territórios, a confiança pública nas instituições e a reconquista da confiança entre todas as partes.
Não se constrói o “E” do ESG sem regularização ambiental. E não se constrói um novo marco legal sem critério.
Que este momento marque não apenas uma mudança legislativa, mas o início de uma participação mais ativa dos profissionais da área. Não para reagir, mas para contribuir. Porque regular mal é quase como não regular. E os impactos de um retrocesso mal calculado, sabemos, não são fáceis de reparar.



Comentários